segunda-feira, 30 de maio de 2011

Queijos

Talvez meus dias estejam contados . Talvez ninguém tenha se dado ao trabalho de contá-los . Cabe a mim calcular dias e tabelas , fazer planilhas e esperar por noites frias como essas , pois finalmente posso me sentir aquecida mesmo estando com os pés congelados .

Toda a revolta e insinuações desnecessárias sobre como não se deve educar um filho nos dias de hoje se voltaram contra mim no mesmo instante em que terminei meu Martini .

Invento sonhos mas não invento mais príncipes .

É estranho quando você percebe que passou uma boa parte da sua vida tentando se encaixar e experimentando de tudo , desde drogas até sexo frustrante e desnecessário . Você freqüentou lugares onde não se sentia bem e vivia constantemente a procura de alguém que você não sabia ao certo quais a qualidades ele deveria ter para ficar mais fácil procurar . Você só sabia o que ele não poderia ser , ou seja , igual a todo mundo que você conheceu .

O gato espalha areia pela casa toda e eu fico feito boba com a vassoura na mão e por um momento penso que eu poderia ter nascido com os genes de alguma bruxa mas quando me dou conta estou com o pé atolado no cocô do gato . Estou descalço .

A tempestade vem aos poucos , mas talvez não para destruir toda uma cidade , talvez seja apenas para lavar por completo as ruas e soterrar os ratos que vêm roendo os queijos enquanto dormimos .

terça-feira, 24 de maio de 2011

Nada

São dias solitários . Dias para ter um papo cabeça com você mesmo . Dias os quais te atormentam e causam uma estranha dor no coração .

Tantas pessoas me vêm a mente , elas não existem mais . Somente suas carcaças . São pessoas diferentes , almas diferentes naqueles corpos que um dia participaram da minha vida .

Me agasalho . Esquento a água na chaleira e me sento na cadeira da cozinha a fim de me aquecer um pouco . Nada mais me aquece . Sou gelada . Minhas mãos estão sempre geladas como se eu estivesse mesmo morta por fora . Talvez eu esteja .

A única pessoa com quem você gostaria de conversar não atende ao telefone e então você pensa em apelar para aquela pessoa que você não gostaria de falar , então tudo vira uma bola de neve ainda maior .

Meus piores pesadelos numa caixa de Pandora escondida estrategicamente dentro do meu guarda-roupas por entre os milhões de moletons jogados ali desde a oitava série .

Te encaro . Penso em você . Mentalizo os seus dentes e suas narinas . Sei que me pertencem , mas não sei se você sabe disso .

Tão convicto de que suas idéias e ideais estão certos , tão perdido no meio dessa selva mecanizada e alimentada por robôs , tão igual a mim . Tento te alertar em sonhos . Dizer que não vale a pena , as pessoas não se importam . Não se importam com nada a não ser elas mesmas , e elas não estão erradas .

Me divido entres canções escritas diretamente para mim e entre lamúrias antigas do que poderia ter sido .

E assim sigo no meu ritmo muitas vezes de tartaruga , muitas vezes de nada .

domingo, 22 de maio de 2011

Eliana

Acabou . Não há nada a dizer . Tudo que deveria ser dito não foi , e agora de nada adianta .

Migrando para o continente vizinho carregando em suas costas o peso de decisões tomadas antecipadamente , e de palavras de ódio ditas com tanto poder que destruíram promissoras noites de sono tranqüilas , e destruíram 10% das futuras noites de sono tranqüilas .

São as crianças dançando ao som de músicas para as crianças de hoje em dia , que nada têm a ver com os dedinhos da Eliana , enquanto você tenta se concentrar nos cálculos que se misturam cada vez que você pisca , e enquanto sua mente ignora o barulho das crianças , ao mesmo tempo ela tenta não pensar em um cigarro light sendo aceso naquele exato momento , ou em um copo de vodca sendo virado de uma vez , ou em canudos e cartões .

Você deveria sentir sono na sua cama somente , mas suas pálpebras possuem movimentos involuntários , e enquanto aquela mulher beirando os 50 anos , dentes manchados de batom barato e quilos de gordura extra transbordando pelos lados da calça social preta te explica o que você deve fazer durante os 3 anos da sua vida , você não se preocupa em ser rude ou mal-educado , simplesmente fecha os olhos e se imagina deitado em uma praia no Caribe cultivando um futuro câncer de pele .

São todas essas pessoas que te acham uma aberração por gostar do obscuro ; do incompreendido . Ovelhas que seguem o rebanho com medo dos cachorros vestidos em ternos Armani e Gucci que as empurram para o lado que os convêm .

Tudo tão igual nessa casa . Esses móveis sem nenhum requinte que gemem durante a noite e fazem eu me encolher toda debaixo do edredom com medo de que algum desencarnado entre em meu quarto e me encare nos olhos .

Medo de que tudo venha à tona . Esse medo que temos dos conselhos que uma vez demos a um conhecido e ele instantaneamente o aceitou , e agora o conselho o transformou em um ser sozinho que aposta toda semana na Mega-Sena e sonha com o dia em que vai convidar a moça da padaria para sair .

Alma pesada e cabeça vazia . Janela embaçada e tempo limpo . O que vem de dentro transforma o externo tão discretamente que quando percebemos nossos dentes estão brancos novamente .

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Reprodutor

A casa é tão fria . O piso é frio e azul . Tudo é sujo por aqui . Você nunca lava a louça . Meus cabelos estão sempre oleosos e eu não sinto vontade de me levantar da cama pela manhã . Cama sem cama , o que chamo de cama é apenas um colchão velho colocado no chão , colchão esse onde senti dores terríveis e ardências eternas em minhas entranhas enquanto me levantava de duas em duas horas para vomitar no banheiro .

Eu odeio a poltrona onde você se senta todas as manhãs para assistir ao jornal . Tenho nojo do shorts laranja que você sempre usa . Repulsa só de pensar em tocar na toalha na qual você se enxuga após tomar banho nesse banheiro sem Box ; nesse banheiro onde tantas vezes lavei o sangue sujo que escorria por entre minhas pernas .

E você é só sorrisos para os vizinhos e feirantes , enquanto eu me lavo tanto que minhas cutículas estão em carne viva ; enquanto eu simulo um suicídio todos os dias ; enquanto eu me perco entre sentimentos de culpa e desejo . Não sei ao certo se gosto disso . Não posso gostar , isso é o que eu sei .

E você me leva até a escola e me dá um beijo no rosto de despedida e eu sinto o cheiro da sua pele e sinto sua barba em meu rosto e me lembro de ontem à noite . Me arrasto feito um fantasma acorrentado e desvio o caminho da sala de aula para o do banheiro e acendo um cigarro velho enquanto choro por ter nascido num lugar tão podre e diferente dos desenhos da Disney .

No fundo do meu aparelho reprodutor eu te amo . Você me ama tão intensamente que gostaria de plantar em mim essa semente horrenda e mal-cheirosa que vem do seu interior . Você sempre vai se lembrar de mim .

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Coração

"Olha mãe , ali do outro lado , é um espelho . Tá se vendo ?"
É claro que ninguém está se vendo . As pessoas raramente vêem a si próprios , assim como eu , que só vi minha mãe no reflexo do espelho , mesmo estando ao lado dela .
Uma escada inacabável no meio de uma casa completamente escura e adormecida me dão a impressão de estar sendo perseguida por algo invisível e fora do meu alcance , mas que me dá de apoio uma mão macia e jovem quando tendo me apoiar em algo no final da escada .
E ali está ela comendo sua comida diretamente do chão . Com o coração acelerado me enfio por entre os lençóis da primeira cama que encontrei . Ouço alguém dizendo que tudo bem eu ficar ali , mas a porta deveria ser aberta . A princípio penso que talvez fosse por causa do cheiro de pele humana que tende a se acumular em lugares completamente fechados , cheiro de experiência fracassada , cheiro de luta .
Acordo em minha cama em meio a um batimento cardíaco que aos poucos se desacelera , assim como ela aos poucos morreu .
Raramente penso nela . Nunca a senti por aqui . De vez em quando rezo por ela .
Tudo acabara bem graças a um agradecimento sem sentido .

sábado, 14 de maio de 2011

Nós

Violino na sua sala-de-estar ; fico zonza com tanto vinho . Taças coloniais e pisos de madeira que me dão a impressão de ter Napoleão Bonaparte perambulando pela casa durante a noite .
Sylvia Plath na sua cabeceira , e eu me reduzo a cinzas insignificantes pela minha ignorância .
Meu gosto grotesco por música , meu conhecimento sobre o hardcore , enquanto você cruza as pernas e me encara com um olhar apaixonado e ao mesmo tempo indiferente .
Vestidos de seda e botas pretas de couro envelhecido de anos remotos quando comer carne ainda era sagrado e arrancar a pele de animais era algo divino .
Tento esquentar meus pés por entres esses lençóis de algodão egípcio enquanto olho ao redor do quarto e faço um encantamento mentalmente para que você , onde quer que você esteja e seja lá quem você seja , se lembre de mim sem nem mesmo ter me conhecido . Sabemos o que significa .
Sonho com alguém que me diz que o satanismo em si não é ruim , o Diabo não é mau , ninguém mata a família e depois pede para alguém rezar por sua alma para que o Diabo o perdoe . Não existe perdão . Ele também disse que Deus é o diabo e vice-versa , que vem enganando a humanidade desde o tempos mais primórdios para que todos os adorem e ele tenha o controle de tudo .
Acordo com mais frio do que antes e resolvo pintar as unhas dos pés de vermelho . Não me recordo de ter levado nenhum produto de beleza para aquela mansão no sul de algum lugar .
Me sinto mais confortável nessa camisola de seda comprida até os tornozelos , do que com um sutiã de bojo e uma calcinha tão apertada que faz o sangue dos meus quadris coagular .
Me lembro de mim . Do meu corpo antigamente . Meu rosto e meus cabelos .
Me desespero e abro a porta do quarto . Eu não conheço esse lugar . Eu não paguei para estar aqui . Eu não escolhi este quarto . Eu não pedi para nascer nesse planeta . Eu nunca tive escolha . Quem fez essas escolhas por mim ? Quem fez essas escolhas por nós ?

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Dia

É uma película inacabada . Uma cutícula mal tirada . Uma partícula suspensa sobre nossas cabeças .

Um rio que não desboca . Um amor que nunca aflora .

Os seus dias engavetados cobertos por poeira alérgica que atormenta nossos narizes num dia quente .

quarta-feira, 11 de maio de 2011

1989

Ando me redimindo com grande freqüência . Sou a mesma mas não me reconheço mais . É como se eu fosse realmente uma metamorfose ambulante , e me pergunto se sou na essência , o que sou agora , ou se sou o que fui anos atrás . Se sou o que sou hoje , então passei bons anos tentando ser algo que no fundo não sou . Perdendo tempo talvez . Mas não acredito que o tempo em si seja algo que se perca , pelo contrário . Você ganha experiência e poupa tempo na próxima vez que tentar fazer a mesma merda . Isso se você não é imbecil , claro .

Ando xingando as pessoas com muita freqüência . Não nas suas caras , claro , mas pelas costas . Como é bom mostrar o dedo do meio para alguém quando ele se vira . Não gosto de usar os ouvidos das outras pessoas como pinico . Xingo todos mentalmente . Gostaria que tivessem a mesma consideração para comigo . Claro que não têm .

Ando fazendo bolos de cenoura com muita freqüência . Jogo as cenouras no liquidificador com casca e tudo e observo elas todas sendo moídas e despedaçadas enquanto sofro para conseguir quebrar um ovo com perfeição . É claro que depois eu não como um pedaço sequer . Faço para alimentar as formigas .

Ando me lembrando com muita freqüência de expressões faciais completamente perdidas no tempo . Flutuando por aí entre 1989 e 1991 . Cheiros corporais naturalmente adocicados que por dias eu desejei nunca ter sentido .

domingo, 8 de maio de 2011

Salvation

O nosso dia finalmente chegou . Galões cheios de gasolina para incendiar as cartas esquecidas que escrevemos e nunca mandamos .

Chão sagrado e flores da manhã . Todos juntos em um complô para batizar as almas perdidas que aqui vivem . Que aqui me atormentam .

Meus dentes se batem uns contra os outros , e não sinto os dedos das minhas mãos . Seguro sua mala como uma mãe sozinha que segura um filho . Deixo ela cair . Roupas sujas aos meus pés .

Meus cabelos ao vento feito a bandeira dos Estados Unidos cravada no solo da Lua , anunciando que me mantendo aqui , sempre à espera .

Outra dimensão desnecessária que transforma sofrimento em piada ; e nós todos rimos para não lembrar . Na tentativa frustrada de cortar minhas unhas da mão , corto meus dedos , e me vejo sentada na mesa da cozinha , a qual se encontra completamente banhada em um molho de tomate muito suspeito , e minhas unhas estão sento sustentadas por dedos invisíveis .

E da última vez que nos encontramos você me ouviu dizer um palavrão e sair do quarto batendo a porta . Você não entende que desejo o seu bem fazendo o mal .

I stay still . Your wish is my fall , and my forgiveness is my own salvation .

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Pés

Tempo que fica , tempo que aflora .

Em meio à devaneios desnecessários , me apego à citações inexistentes de autores não nascidos em cidades ainda não inventadas . E me apodero de situações que não são minhas . Faço minhas as suas angustias e vícios frustrados .

Caminho com a multidão me isolando silenciosamente e não tomando os remédios . Te observo de longe , te amaldiçôo .

É um vórtice se abrindo embaixo da cama velha e barulhenta que te suga aos poucos , noite após noite , levando consigo sonhos , planos e familiares .

Migalhas espalhadas pelo chão do banheiro , e isso é tudo o que você tem . Esmola . Restos . Pedaços .

Pedaços do que um dia foi um domingo feliz e boêmio . Pedaços do seu rosto que fora envelhecendo e emagrecendo com o tempo . Restos de uma alma atormentada e psicótica .

Vejo tudo o que você faz . Te vejo sugerindo vidas felizes para estranhos , vidas essas que você sempre quis viver mas nunca teve coragem .

E me perco por entre cheiros cremosos de grifes famosas , maciez excessiva dos cabelos e uma saliva tão ácida que faz qualquer chiclete sem açúcar se transformar em uma pasta de dentes .

É o tempo frio que congela os pés .