Sinto por um momento o cheiro doce e amanteigado desse
lugar fictício que frequenta minha memória fraca, e nos tráz de volta ao ano
cujos números não me recordo.
Aqui é calmo, e as conversas parecem irrelevantes, e
ninguém parece estar realmente interessado no que o outro tem a dizer. Seria um
teatro? Mas um teatro não teria tão péssimos atores.
O vento grita por entre as frestas das janelas e portas
pintadas rusticamente de um verde moribundo que me faz ter vontade de acender
um charuto.
Eu o vejo lá, parado perto do balcão, olhando para cima
tentando ver o que está na promoção hoje, mas tenho a impressão de que ele está
rindo por dentro. Ele provavelmente ri das mesmas coisas que eu, e deve achar
esse lugar de muito mau gosto. Ele provavelmente não gosta daqui, já deve ter se
desentendido também com o motorista do ônibus.
Sinto que alguém me observa, e olho para trás e vejo
aquela mesma senhora com o carrinho de compras cheio de verduras e cenouras, e
penso no quão patética ela é, porque a vejo todos os dias com o mesmo carrinho
de compras com a mesma quantidade de verduras e cenouras, mas então penso que
frequento o mesmo lugar todos os dias e não me acho patética.
A solidão tenta me negativar por um breve segundo, um
pensamento de tristeza profunda surge em minha cabeça, e então me espanto
quando o vejo ali ainda parado no mesmo lugar sem saber o que pedir. Será que
ele está perdido aqui, ou em todo lugar?