quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Feito

Esse vento me alegra como o dia mais morno de uma juventude esclarecida e cantarolante, de alguém que se perde entre poemas de Drummond e textos de Pessoa.
Tudo combinado em um Universo onde a razão não necessita de conselhos freudanos baseados em experiências alcoolizadas, ou sorrisos e elogios de alguém que se perdeu no tempo como se perde um amigo.
E caminhamos como se nada tivesse acontecido, enquanto o bolo assa demais, o filme cansa demais, e os acontecimentos se tornam cada vez mais distantes e apagados, em dias frios feito a saudade, e bebidas quentes feito abraços.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Vizinho

No abismo obscuro de algo guardado a sete chaves em um coração amargurado pelo tempo que ficou para trás.
James não se reconhece mais no espelho e nem na alma. A casa é fria e escura, enquanto o tique tac do relógio se faz cada vez mais alto ao ponto de mexer com seus tímpanos. 
Não há muito o que fazer em relação a festa arruinada na semana passada. Ele já pediu desculpas, mas sabe que ninguém o perdoou. Sendo assim ele se pune ficando sozinho a maior parte do tempo. O problema é que ele gosta da sua companhia, então se sente culpado e resolveu fazer amizade com o vizinho.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Poeta

Dizemos não ser fácil escolher entre algemas largas ou total liberdade, a liberdade talvez nos cegue, talvez hajam muitas marcas de papel higiênico nas prateleiras e isso nos confunda.
Vejo o céu tão escuro e mergulho no vazio de pensamentos obscuros que se escondem de tempos em tempos em algum lugar estratégico da memória. Nossa música nunca foi composta e o poeta provavelmente já está morto.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Amigo

Um sopro gelado que dá náusea porque nos faz lembrar de algo terrível que não aconteceu. Ela rega todos os dias as flores que jazem mortas há alguns meses. Ninguém a entende, dizem que se trata de um coração partido, outros dizem que é depressão, mas ninguém entende que ela as rega na esperança de que tragam da terra alguém que se foi e não deixou vestígios.
Um amigo que te espera durante horas num lugar qualquer, um amigo que encara a xícara de café frio e pensa em como a solidão é estimada hoje em dia, um amigo que não se importa com o dia do mês.
Realmente, você me disse, há algo muito belo nessa cidade, mas espero nunca mais voltar.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Banheira

    Creio que o motivo da morte dela tenha sido algo tão profundo e negro que nem os filósofos possam explicar.
     Ele passou seus dias remoendo o ódio de um amor não correspondido, e impôs a si mesmo regras as quais não pode seguir. O fantasma ainda quebra janelas do velho quarto empoeirado por uma juventude breve e feliz.
     Não resta muita coisa nessa casa, rezo todas as noites para que ela se queime sozinha e transforme em cinzas toda a solidão vivenciada diariamente por eles.
     Nada pode nos salvar a esse ponto, todas as cartas estão na mesa e eu não aguento mais o peso do meu próprio corpo, tudo parece velho e cansado, eu me sinto sonolento mesmo depois de dormir 16 horas seguidas. Me perdoe, as suas histórias são muito interessantes mas minha mente inquieta não me deixa prestar atenção em mais nada, a não ser nessa angústia que me aperta o coração constantemente.
     Eu gostaria de ter te convidado para sair daquela festa e irmos para o bosque conversar sobre a vida noturna dos insetos, mas sua beleza exterior me ofuscou qualquer reação.
     E agora você não é nada mais do que um rosto que me atormenta os dias e as noites e todos pensam que enlouqueci. Acredito eu que enlouqueci mesmo. As coisas não são como antes, não me empolgo com boas notícias e fico horas me olhando no espelho enquanto a agua esfria na banheira.
     É isso por hoje, eu espero. Talvez toda a eternidade eu espero pelo dia em que o céu se abrirá e uma chuva lavará nossas almas assim como eu lavo seu travesseiro toda semana.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Torre Eiffel



    Acho irrelevante perguntarmos a mesma coisa repetidas vezes em lugares diferentes.
    Eu não escolhi estar aqui, e você não escolheu carregar esse caixão de 40 mil dólares representando um corpo que não é nada mais do que cinzas numa urna enfeitando a nossa imensa sala de jantar.
    Embaixo da Torre Eiffel a pergunta era sempre a mesma; qual a nossa missão? Por que não acordar às 5 da manhã como todo mundo? Por que viver a vida como um comercial de perfume? E por que não?
    Sinto o cheiro peculiar do jardim que chamávamos de cemitério das flores, onde ficávamos em silêncio durante horas esperando que começasse a chover. É assim até hoje. Esperamos a chuva que só cai quando não nos convém.
    Arrumamos as malas, vestimos outra alma e junto com ela outros ideias que nos levam exatamente ao mesmo lugar, e as lágrimas pedem licença para brotarem, mas são impedidas pela nossa frieza comum.
     Não adianta querer mudar, e ir contra o que já está implantado em nosso cérebro. Já fomos contaminados pela artificialidade global. Não podemos mais ser felizes com nada. Não é nossa culpa.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Pernas



    E na incerteza do que me acontece não tenho certeza nem das sombras que são deixadas por amores passageiros ou por amigos que morreram na memória.
    Quando a circulação não circula como deveria, e o vento assovia na janela como se tentasse te dizer algo fantasmagoricamente horripilante, ou quando o copo simplesmente quebra na sua mão, ou quando você tem vontade de virar a mesa do jantar enquanto outras pessoas comem; tudo isso remete a um estado de espírito realmente depressivo que é preenchido com abraços, beijos, conversas e muita comida italiana preparada por alguém que chora muito ao cortar cebolas.
    Abro a porta do apartamento, acendo um cigarro imaginário e fumo com um uísque imaginário, enquanto discuto problemas de Estado, política e filosofo sobre vida em outros planetas com alguém que não existe fisicamente, e esse alguém realmente me preenche porque ele me entende sem fingir que entende, e compartilha dos mesmos ideais, e ele conversa comigo da forma mais sincera possível, não com o interesse de entrar no meio das minhas pernas depois.
    Você deixa tudo aí bagunçado, não organiza nada, deixa o tempo passando como a água daquele riacho ali da esquina, ninguém mais nota aquele riacho, você sabia? Nem lixo as pessoas jogam nele. Com certeza ele sente falta de alguém gritando ali por perto, poluindo suas águas ou só lavando os pés nelas.

domingo, 7 de abril de 2013

Procura

    De volta a estaca zero. Mas se está de volta, talvez nunca tenha havido uma total saída.
    Os compromissos inadiáveis que nos fazem desligar o celular e telefones da casa a fim de evitar notícias ruins.
    Procura se algo que não se sabe ao certo o que, procura se histórias que não foram escritas, procura se pessoas inalcançáveis e existentes somente em filmes hollywoodianos com aparência e almas impecáveis e totalmente compatíveis.
    Vasculhamos por conversas filosóficas, sinceras e recíprocas envolvendo planetas distantes, rock n' roll e a inexistência do amor romântico.
    Algo que assombre os dias mais quentes e acalme as mais escuras noites.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Gaguejar



    E é assim que caminham os dias; com raiva reprimida e muitas idéias que dificilmente se concretizam, e quando se concretizam, percebemos que queremos outra coisa.
    É muito fácil viver sem nenhuma pressão social, problemas financeiros e relacionamentos amorosos que não trazem nada além de preocupação e uma aparente inibição do seu verdadeiro eu perante as necessidades do companheiro em questão. É bom só pensar em si, não ter que dar satisfações, transar com quem quiser, fazer uma viagem de intermináveis noites para qualquer lugar do mundo sem data para voltar ou poder expor sua opinião sem ter olhos repressores em você.
    O conforto que temos talvez seja o conforto que merecemos por alguma razão desconhecida. A paz de espírito que invade a casa como vinda de uma xícara de chá, não é a mesma que nos acompanha em viagens ao futuro ou frases que não foram ditas por medo de gaguejar. Dizem que tudo é uma questão de aparência, mas aparência é só aparência, de que adianta te acharem feliz se você chora a noite feito um bebê?
    Veja quantas oportunidades estão sendo aproveitadas por outros que não passam nem metade de suas vidas preocupados com o que vão fazer no próximo minuto.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Cachinhos dourados



    Milagrosamente caindo de árvores feito folhas mortas de alguns anos atrás que não parecem tão longe, são os fantasmas que retornam uma vez ou outra, nos lembrando da superficialidade que lido com pequenos problemas cotidianos. Ninguém quer ler um romance barato onde a mocinha tem cachos dourados e o herói devora uma perna de carneiro como se não houvesse amanhã. Não há relógio que aguente esses preciosos segundos de algum lugar que aparece somente em sonhos, e nenhum coração segura tão bem uma conversa de poucos minutos com alguém que não se sabe se existe em um universo paralelo parecido com esse.
    Não existe muito lixo por aqui, fora aquele que já faz parte do cenário por isso deixou de ser lixo, e agora é só um pó dourado embaixo do tapete.
    Ele ainda passa despercebido, creio que passará por um bom tempo, para não dizer para sempre. As portas da percepção estão totalmente fechadas, mas as janelas mantêm se abertas para uma eventual espiadela. Não é o clichê do coração fechado, muito menos do partido, porque nada se parte quando se pode colar de volta, é só uma sensação serena de liberdade misturada com alguns litros de chá de gengibre junto à lareira.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Em todo lugar?



    Sinto por um momento o cheiro doce e amanteigado desse lugar fictício que frequenta minha memória fraca, e nos tráz de volta ao ano cujos números não me recordo.
    Aqui é calmo, e as conversas parecem irrelevantes, e ninguém parece estar realmente interessado no que o outro tem a dizer. Seria um teatro? Mas um teatro não teria tão péssimos atores.
    O vento grita por entre as frestas das janelas e portas pintadas rusticamente de um verde moribundo que me faz ter vontade de acender um charuto.
    Eu o vejo lá, parado perto do balcão, olhando para cima tentando ver o que está na promoção hoje, mas tenho a impressão de que ele está rindo por dentro. Ele provavelmente ri das mesmas coisas que eu, e deve achar esse lugar de muito mau gosto. Ele provavelmente não gosta daqui, já deve ter se desentendido também com o motorista do ônibus.
    Sinto que alguém me observa, e olho para trás e vejo aquela mesma senhora com o carrinho de compras cheio de verduras e cenouras, e penso no quão patética ela é, porque a vejo todos os dias com o mesmo carrinho de compras com a mesma quantidade de verduras e cenouras, mas então penso que frequento o mesmo lugar todos os dias e não me acho patética.
    A solidão tenta me negativar por um breve segundo, um pensamento de tristeza profunda surge em minha cabeça, e então me espanto quando o vejo ali ainda parado no mesmo lugar sem saber o que pedir. Será que ele está perdido aqui, ou em todo lugar?